Transmissões do futebol de Passo Fundo pela televisão
A invenção da tecnologia de transmissão de som por ondas de rádio é comumente atribuída ao italiano Guglielmo Marconi, que a teria desenvolvido no fim do século 19. Em 1943, a Suprema Corte dos Estados Unidos concedeu a um dos maiores inventores da história, o sérvio Nikola Tesla, o mérito da criação do rádio, tendo em vista que Marconi usara no seu projeto 19 patentes de Tesla. Na mesma época, em 1893, no Brasil, o padre Roberto Landell de Moura também buscava resultados semelhantes, em experiências feitas em Porto Alegre, no bairro Medianeira, onde ficava sua paróquia. Ele fez aquelas que são consideradas as primeiras transmissões de rádio no mundo, entre o Medianeira e o morro Santa Teresa.
No Brasil, a radiodifusão começou no dia 7 de setembro de 1922, sendo a primeira transmissão um discurso do então presidente Epitácio Pessoa. A instalação da primeira emissora de fato ocorreria somente em 20 de abril de 1923, com a criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro, na época, Distrito Federal.
A chegada do rádio a Passo Fundo
O primeiro aparelho receptor de rádio chegou a Passo Fundo em dezembro de 1927 e foi notícia no jornal O Nacional. Instalado na casa do prefeito Armando Annes, o "aparelho" (ainda estava longe de ser um eletrodoméstico como conhecemos hoje), na verdade o circuito do tipo "Super Hartley" sintonizava seis estações argentinas, todas de Buenos Aires, uma de São Paulo e outra de Porto Alegre.
Em janeiro de 1936, entrou no ar a estação experimental de rádio A Voz de Passo Fundo, comandada por Mansur Sfair e Remo Seggiato. A programação iniciava às 20 horas às quartas, sábados e domingos. O goleador e músico Celio Barbosa chegou a participar da programação, cantando sambas ao violão.
Em 25 de janeiro de 1937, a Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, transmitiu um programa especial para Passo Fundo, com uma hora de duração. As músicas eram intercaladas com propagandas de lojas e indústrias da cidade. A Voz de Passo Fundo encerraria pouco tempo depois.
O início do futebol no rádio mundial
A primeira transmissão de um jogo de futebol pelo rádio no mundo aconteceu em 22 de janeiro de 1927. Neste dia, no estádio Highbury, em Londres, Arsenal e Sheffield United se enfrentavam pelo Campeonato Inglês. A histórica narração coube a Henry Blythe Thornhill "Teddy" Wakelam, militar, jornalista, escritor e ex-jogador de rúgbi e foi feita pela BBC. Uma semana antes, o mesmo Teddy Wakelam havia transmitido o primeiro jogo de críquete, entre as seleções inglesa e galesa. Charlie Buchan, do Arsenal, foi o primeiro jogador a ter um gol narrado pelas ondas radiofônicas. O narrador usava um curioso sistema gráfico que dividia o campo em oito quadrados, para que o locutor pudesse situar o relato o mais fielmente possível. O desenho do campo foi publicado antes em vários jornais, para que os ouvintes pudessem acompanhar a narração da partida.
O início do futebol no rádio brasileiro
Leopoldo Santana fez a primeira “irradiação esportiva” no Brasil no dia 15 de outubro de 1922, a convite de Cásper líbero, dono do jornal A Gazeta, de São Paulo-SP. O jogo foi entre Brasil e Argentina, realizado nas Laranjeiras, no Rio de Janeiro, válido pelo Campeonato Sul-Americano, como era chamada a Copa América na época. Mas não dava para chamar a transmissão de “narração”. É que Silva recebia por telefone uma série de boletins sobre o jogo e retransmita por meio de alto-falantes.
O pioneiro da locução esportiva via rádio no país é Nicolau Tuma. Foi ele quem narrou o jogo São Paulo 6 a 4 Paraná, na Chácara da Floresta em São Paulo-SP, no dia 19 de julho de 1931 pela Rádio Educadora Paulista (depois Gazeta). O jogo era válido pela primeira rodada da nona edição do Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais.
Para situar os ouvintes desabituados a narrações futebolísticas, Tuma pediu que imaginassem uma caixa de fósforo: “Do lado esquerdo estão os paulistas e do outro os paranaenses”, disse. Em uma época em que os jogadores ainda não tinham números em suas camisas (o que aconteceria apenas na década de 1950), antes de começar o jogo o locutor foi até os vestiários e decorou os nomes e os rostos dos jogadores dos dois times. E mais. Ele também se preocupou em explicar as regras do esporte aos ouvintes, uma vez que o futebol ainda não era um esporte popular.
Tuma narrava com tantos detalhes, e tão rápido, que ganhou o apelido de “speaker metralhadora”. Foi durante um clássico entre Vasco e Flamengo no Rio de Janeiro. O comentarista da partida era o humorista Barbosa Filho, que num determinado instante emendou: “Esse Nicolau Tuma não é gente. É uma metralhadora, fala mais depressa que o jogo.” Tuma chegava a falar até 250 palavras por minuto.
Apesar da rápida aceitação pelos ouvintes e já com patrocínios, o rádio brasileiro só transmitiria uma partida pela Copa do Mundo em 1938 (pulando a edição de 1934, disputada na Itália). Gagliano Neto, da Rádio Clube do Brasil, do Rio de Janeiro, foi o único narrador brasileiro a ir para a França.
O início do futebol no rádio gaúcho
A primeira partida de futebol transmitida pelo rádio gaúcho aconteceu no dia 19 de novembro de 1931. O jogo amistoso em que o Grêmio venceu por 3 a 1 o Combinado Paranaense (formado por atletas dos clubes Palestra Itália Futebol Clube e Club Athletico Paranaense) foi disputado no Estádio da Baixada e teve a narração de Ernani Ruschel, da Rádio Sociedade Gaúcha de Porto Alegre.
A primeira transmissão internacional envolvendo equipes gaúchas foi em 14 de maio 1949, pela Rádio Gaúcha, na partida entre Nacional e Grêmio, disputada no Estádio Centenário em Montevidéu no Uruguai, narrada por Cândido Norberto. A equipe gremista venceu por 3 a 1 o jogo válido pelo Troféu Sadrep, também conhecido como Taça Cinquentenário do Nacional, um torneio amistoso de jogo único.
Nos anos seguintes, começaria a narração dupla dos jogos, com um narrador de cada lado do campo, que assumia quando a bola cruzava a linha que divide o gramado. Duas duplas ficaram famosas com esse estilo de narração, chamado de “diagonal”. Pela Rádio Gaúcha, Cândido Norberto e Guilherme Sibemberg, e, na Farroupilha, Rafael Merolillo e Leonel Silveira (que teria papel fundamental na história do futebol em Passo Fundo).
O início do futebol no rádio passo-fundense
Em 1939, o rádio já estava consolidado no imaginário de grande parte da população brasileira. Contando com profissionais do jornalismo, radioatores e radioatrizes, humoristas, músicos e intérpretes, auditórios próprios e uma programação rica em produção, o veículo alcançava abrangência nacional e as emissoras surgiam nas principais cidades do país.
Mas ainda não era assim em Passo Fundo. Então, em agosto daquele mesmo ano, a cidade passaria a contar com um serviço de alto-falantes, uma rádio-poste, que começava a se tornar popular em várias regiões do país.
A rádio-poste era exatamente o que o nome sugeria. Alto-falantes instalados em um poste e virados “para todos os lados”, para fazer a informação chegar o mais distante e atingir o maior número possível de ouvintes. Às vezes havia um pouco mais de glamour, com os alto-falantes colocados no alto de prédios e ao longo de uma rua, por exemplo. Na transmissão, alguém lendo recados, propagandas, notícias, “rodando” músicas ou apenas retransmitindo outra estação.
O serviço de alto-falantes da Casa Rádio foi instalado em frente ao Cinema Coliseu, na Praça Marechal Floriano e em postes de iluminação pública, seis pontos no total. Ainda em agosto, começaram as transmissões de jogos de futebol. A primeira vez foi no dia 27, quando o Gaúcho iniciou sua participação no campeonato estadual contra o Riograndense de Cruz Alta no Estádio da Montanha.
O jogo que mais mobilizou pessoas ao redor dos alto-falantes aconteceu em 12 de novembro. Neste dia, o Gaúcho enfrentava o Bagé em Santa Maria. Centenas de pessoas aguardavam informações sobre a partida. As informações eram repassadas por um radioamador operado por Valdemar Amaral, gerente da Agência do Banco do Brasil, que retransmitia o desenrolar do jogo através dos alto-falantes.
A transmissão iniciou às 14h40, quando foram anunciadas as palavras dos delegados do Gaúcho em Santa Maria, Predefinição:Honorino Malheiros e Mário Garcia. Entre as declarações que todos ouvem, está a do ídolo e goleiro Harry Becker: “Entraremos no gramado com a confiança de sempre e saberemos levantar bem alto o pavilhão alviverde!”
O jogo foi duríssimo. O Gaúcho abriu o placar com apenas 3 minutos, com Nino. O Bagé empatou e virou o marcador no segundo tempo. Os alviverdes empataram no fim e a partida foi para a prorrogação de 20 minutos, como se jogava na época. Empate por 1 a 1 e nova prorrogação. Faltando 10 minutos para o fim, Brasileiro marcou um golaço de fora da área. Na saída de jogo, novo pênalti para o Bagé. Harry defendeu e garantiu a vitória por 4 a 3. O resultado do jogo chegaria às 18h50, para o delírio da multidão que acompanhava o jogo.
A primeira transmissão
A primeira transmissão de um jogo de futebol em Passo Fundo aconteceria no dia 15 de setembro de 1946, menos de um mês depois de inaugurada a Rádio Passo Fundo, em 19 de agosto. A emissora, integrante das Emissoras Reunidas Rádio Cultura, transmitiu do Estádio da Montanha, do Gaúcho, a vitória do Independente sobre o 14 de Julho por 3 a 2 pelo Campeonato Citadino, com a narração do locutor Leonel Silveira, vindo da Rádio Cruz Alta a convite do gerente da Rádio Passo Fundo, Maurício Sirotsky Sobrinho. Apesar de ter feito a primeira transmissão, Silveira não era da equipe fixa da rádio em Passo Fundo. Ele vinha no sábado, hospedava-se no Hotel Avenida, transmitia o jogo de domingo e voltava na segunda-feira para Cruz Alta. Os jogos eram sintonizados somente nas casas e bares, uma vez que ainda não havia os aparelhos portáteis.
No ano seguinte, chegaria à cidade vindo de Santo Ângelo, também a convite de Sirotsky, mas como funcionário fixo, o narrador José Alcebíades de Oliveira. Ele se firmaria no espaço lançado um ano antes por Leonel Silveira e se tornaria o responsável pelas transmissões de futebol durante cinco anos, até se transferir para a Rádio Bandeirantes em São Paulo. Em seu lugar, assumiria as narrações o radialista e jornalista Meirelles Duarte.
Considerado o “patrono da crônica esportiva” de Passo Fundo, Antonio Augusto Meirelles Duarte se transformaria no principal narrador de futebol na cidade. Seu jogo de estreia foi ainda em 1952, pelo Campeonato Gaúcho de Amadores.
Na época, não havia o comentarista nem o repórter de campo (um dos pioneiros em Passo Fundo seria Wolly Venhofen), apenas o narrador e o locutor dos comerciais (Ben Hur Silva e Francisco Freire Machado eram os mais solicitados). A parte técnica era responsabilidade do operador de som, que tinha a difícil missão de instalar a aparelhagem e conseguir fazer funcionar a linha telefônica disponibilizada a um custo alto pela Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT).
Os primeiros avanços
Buscando dar mais dinamismo às transmissões, Meirelles Duarte então começou a improvisar a figura do comentarista durante o intervalo do primeiro para o segundo tempo. Ele convidava antigos jogadores, técnicos e pessoas do meio esportivo para participarem de uma conversa descontraída e improvisada. Em uma transmissão durante um clássico entre Gaúcho e 14 de Julho, chamou o patrono colorado, Celso Fiori, para que fizesse o comentário do intervalo. Advogado, e empolgado com a vitória parcial de sua equipe, Fiori tomou o microfone das mãos de Meirelles e discursou durante quase todo o intervalo, de frente para os torcedores e gesticulando como se estivesse em um júri. Ao final do jogo, com o empate do Gaúcho, Fiori não retornou para encerrar a transmissão conforme combinado.
Em 1956, já dirigindo o departamento de esportes da Rádio Passo Fundo, Meirelles Duarte convidou um linotipista do jornal Diário da Manhã para um teste como comentarista. Jarbas Sampaio Corrêa era profundo conhecedor do futebol local e irmão do também jornalista esportivo Antonio Augusto Sampaio Corrêa, que teve passagem pelo jornal O Globo do Rio de Janeiro-RJ.
Em sua estreia no dia 24 de julho de 1956, quando chegou ao Estádio Celso Fiori lotado para mais um clássico, Jarbas pediu para ficar longe da torcida, no interior do alambrado, à beira do campo, falando apenas para os ouvintes da rádio, ao contrário das transmissões até então, feitas no meio das arquibancadas ou em cabines improvisadas. Mas o comentarista acabou gostando da experiência e terminou trocando as oficinas do jornal pela nova posição na rádio, onde se consagrou.
Também não existiam as “jornadas esportivas” com transmissões antes e depois das partidas. As entrevistas com jogadores só aconteciam quando alguém do lado vencedor aceitava subir até às cabines nas arquibancadas. Falar dos vestiários era outra tarefa praticamente impossível por questões técnicas.
Meirelles e Jarbas se tornariam a principal dupla na história das transmissões esportivas de Passo Fundo.
A modernidade
Os avanços tecnológicos do rádio chegaram cada vez mais rápido a Passo Fundo. Da evolução dos transmissores e outros equipamentos de infraestrutura a microfones sem fio e, por último, a internet, as emissoras puderam melhorar a qualidade das “jornadas esportivas” (como são “vendidas” as transmissões), embora muitas vezes esbarrem em novos problemas criados pela tecnologia, como problemas de conexão e transmissão de dados pela web. Além disso, o fim da frequência AM, com todas as emissoras mudando para o FM, trouxe um ganho visível (ou “audível”) na qualidade.
O rádio ainda mantém o status de “o mais fiel companheiro” do torcedor de futebol. Embora as transmissões de jogos com imagens via streaming pela internet tenha se tornado comum desde metade da década de 2010, a portabilidade dos aparelhos à pilha e o baixo uso de dados móveis em smartphones continuam sendo grandes diferenciais.
Em Passo Fundo, a Rádio Planalto News se mantém como única emissora a transmitir os jogos de clubes da cidade e a transmitir um programa local específico sobre o tema, o Debate Show de Bola.