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Edição atual tal como às 21h56min de 23 de julho de 2024
Wilson Morais (Passo Fundo, 12 de janeiro de 1940 — Passo Fundo, dia e mês de falecimentos desconhecidos de 2019) foi um meia do Gaúcho famoso pela sua habilidade no pé esquerdo, por sua vida boêmia e pela facilidade de se meter em encrencas.
História
- Por Marco Antonio Damian, historiador e pesquisador de futebol
Por volta de 1956 ou 1957, os torcedores do Gaúcho se deslocavam de várias partes da cidade, a pé, até o Estádio Wolmar Salton, em dias úteis, para assistirem aos treinamentos do time. O time principal normalmente treinava contra os aspirantes, como eram chamados os reservas e os jogadores jovens. A curiosidade ficava por conta de Wilson Morais, “o filho do Vêncio”, antigo goleiro do clube, depois massagista. Wilson era um jovem alto, esguio, pernas compridas, dono de uma habilidade impressionante com o pé esquerdo. Jogava no meio de campo e dominava aquele setor. A bola em seus pés tornava-se pequena, diminuta, subserviente aos seus mandos e ele a mandava para onde queria, e ela, a bola, simplesmente obedecia. Wilson era o xodó nos treinamentos e a grande promessa para o time principal.
Mas, Wilson era inquieto, temperamento difícil, e, desde cedo se dedicou à boemia e, consequentemente, às bebidas e às mulheres da noite. Os dirigentes do Gaúcho, e mesmo seu pai, tentavam domá-lo, mas esta tarefa era quase impossível. Wilson fazia o que lhe dava na “telha” e pronto. Era amador, e, assim, como jogador amador deixou o Gaúcho e foi jogar no modestíssimo Lutador de Estação Getúlio Vargas, que pagava-lhe uma pequena quantia por jogo que disputasse.
Logo, chegou à idade para servir ao Exército Nacional e Wilson foi para Uruguaiana. Foi tocar o pé na bola numa brincadeira no quartel e um dos oficiais o levou para o Ferro Carril, um dos clubes de futebol da cidade. Wilson teve algumas punições por indisciplina no Exército, e, quando deu baixa, retornou a Passo Fundo e ao Gaúcho. Treinou e atuou algumas partidas no time de “baixo”, e outra vez deixou Passo Fundo.
Convidado para jogar no Atlético de Joaçaba, não titubeou e aceitou o convite. Realizou partidas memoráveis nesse clube e sua fama de craque se espalhou. Ao mesmo tempo se espalhou a fama de encrenqueiro. Não ficava muito tempo num lugar, jogava muito, arrumava alguma confusão e ia embora. Passou pelo Flamengo de Curitibanos e, no começo dos anos de 1960, foi parar em Lages. Primeiramente vestiu a camisa vermelha do Internacional e depois a do rival Guarany. Ficou quase quatro anos nesses clubes.
Em 1965, foi contratado pelo Internacional de Santa Maria, permanecendo também no ano seguinte. Foi personagem de um escândalo, que repercutiu nos jornais de todo o estado. Antes de um clássico Rio-Nal, Wilson foi procurado pelo atacante Montezzana, com quem havia jogado no Gaúcho, e que estava no Riograndense, para ele “fazer corpo mole” no clássico. Para tanto Wilson receberia 200 mil cruzeiros. Wilson comunicou a direção de seu clube, que, com a polícia, armou um flagrante. No final da história, Montezzana foi preso e Wilson jogou como nunca aquele clássico, que terminou empatado em 1 a 1.
Dois anos depois Wilson mudou de lado e foi vestir a camisa do Riograndense, permanecendo no clube durante o ano de 1967. Certa feita o entrevistei, e foi uma das melhores entrevistas que fiz. Wilson contou quase tudo o que fez, e se arrependia de muitas coisas que não deveriam ter acontecido. Disse, por exemplo, que também antes de um Rio-Nal, já no vestiário, um dirigente interpelou o técnico, pedindo para que Wilson não jogasse. Obediente, o treinador o tirou do jogo e falou "que tal dirigente" não o queria naquela partida. Wilson foi à copa do estádio, encheu a cara e subiu até a tribuna onde estava o dirigente e deu-lhe uma surra de facão. Foi uma correria e a turma do “deixa disso” teve dificuldades imensas em conter o jogador enfurecido.
Quando foi contratado pelo Internacional de Santa Maria, Wilson era uma das contratações mais relevantes. Afinal, o clube estava há quase uma década apenas “apanhando” de seu rival Riograndense. Junto com Wilson, foram contratados jogadores do quilate de Louro, lateral, ex-Internacional de Porto Alegre; Santo, zagueiro, ex-Grêmio; Gon, meia, vindo do Cachoeira; Jaburu, lateral, ex-Juventude de Caxias do Sul; Cavalheiro, goleiro, ex-Gaúcho e a grande revelação do futebol santa-mariense, o atacante Liminha, tirado justamente do rival. Os anos de 1965 e 1966 foram decisivos para alavancar o clube, que acabou como vice-campeão estadual da segunda divisão em 1968, conquistando o direito à elite do nosso futebol.
No Riograndense atuou ao lado de Danúbio, zagueiro, ex-Internacional de Porto Alegre; Benedito, lateral, ex-Pelotas; além de André Heinz, lateral e Téio, ponteiro, pratas da casa, que se tornaram jogadores de renome, e Vilson Miranda, centroavante goleador, em sua época.
Wilson Morais teve uma passagem breve, mas brilhante, no Floriano de Novo Hamburgo em 1966. O time formava com Petzhold, Airton, Bernardino, Trava e André; Wilson Morais e Xameguinha; Sapiranga, Miguel, Hélio Pires e Loivo.
Outra passagem consagradora foi no famoso Metropol de Criciúma, o time dos carvoeiros, que teve a existência de apenas dez anos, mas foi várias vezes campeão catarinense, e realizou uma vitoriosa excursão à Europa. Wilson vestiu o imaculado uniforme branco em oito jogos. Mas poderiam ter sido muitos mais, não fossem as várias vezes em que se meteu em confusão em bares e na zona do meretrício, propiciando dores de cabeça aos dirigentes.
Deixou o Metropol e seguiu para o Atlético Paranaense. Incomodou mais do que jogou, e, certo dia pegou um ônibus e foi para Montevidéu, para fazer testes no Peñarol. Na época, final dos anos de 1960, o Peñarol tinha um timaço. Wilson treinou e chegou a jogar partidas amistosas, mas foi dispensado, pois jamais chegou aos treinamentos no horário. A carreira já estava no limite e as forças também. O futebol no começo da década de 1970 estava cada vez mais profissional e não havia mais espaço para o jogador-problema. Não havia mais espaço para o romantismo no futebol. O último clube de Wilson Morais foi o Sadia, de Concórdia. Afinal, em Santa Catarina ele ainda tinha nome. Mas, tampouco no Sadia o craque conseguiu sobreviver.
Acabou um futebol brilhante, de técnica refinada, dos longos e precisos lançamentos, dos passes milimétricos que deixavam os atacantes à feição para marcarem gols. Contam que, nos treinos do Gaúcho, Wilson mandava alguém colocar uma tampinha de garrafa a uma distância de 40 ou 50 metros de onde ele estava. Em meio à grama ninguém via a tampinha, mas Wilson jogava a bola exatamente em cima dela. Quando a bola batia a tampinha voava e todos que assistam ficavam boquiabertos. Este era o futebol que Wilson Morais não aproveitou. Aproveitou, sim, as noitadas, as bebedeiras e as lindas mulheres.
Encontrava Wilson Morais de quando em quando caminhando, um pouco trôpego, pelas ruas da cidade. Estava com problemas de saúde, embora tivesse deixado de beber há algumas décadas. Morava sozinho e aposentado. Seu lazer era jogar cartas e conversar no Clube União Batutas. Poucos souberam o craque que foi e muitos não acreditavam no que ele contava. A única certeza é que Wilson Morais foi extraordinário dentro de campo, mas seu gênio irascível e indomável o traiu de forma inexorável.
No final de sua vida, Wilson foi levado por amigos e vizinhos a morar no Asilo Lucas Araújo. Lá encontrou amigos, era bem tratado e estava feliz. Mas, depois de tantas farras e boemias, a conta veio e Wilson Morais deixou este terreno para o mundo espiritual. Foi em 2019.
Carreira como jogador
Ano | Equipe | J | G | CA | CV |
---|---|---|---|---|---|
1963 | Gaúcho | 5 | 0 | 0 | 0 |
1964 | Gaúcho | 15 | 0 | 0 | 2 |
1967 | Gaúcho | 3 | 1 | 0 | 0 |
Total | 23 | 1 | 0 | 2 |